terça-feira, 29 de março de 2016

INFÂNCIA E PSICANÁLISE



INFÂNCIA E PSICANÁLISE: 
um passeio no pensamento de Dolto, Mannoni e Volnovich

 Desde os primórdios da psicanálise, Freud tinha como foco de atenção o infantil existente no adulto, e que podia ser encontrado nas raízes da neurose. Levou pouco tempo para Freud perceber a possibilidade e a importância do trabalho com crianças.
A teoria freudiana estruturou toda ideia existente sobre a infância: havia uma concepção de infância antes de Freud e outra após os estudos de Freud. A visão da inncia sofreu uma abertura de sentidos sobre quem somos, como nos tornamos adultos, a importância dos primeiros anos da vida para a estruturação subjetiva. Sabemos que a vivência da criança nesse processo de estruturação do ser, será determinante para as projeções na vida adulta. Seria dizer que somos como adultos aquilo que nos foi dado na vida infantil, durante o nosso processo de formação. O adulto de hoje, é reflexo da criança de ontem. Há sim essa relação direta entre a infância e a fase adulta do sujeito. Dessa forma é que Freud de pronto entendeu que a análise da criança não só é possível, mas acima de tudo permite já na infância a buscarmos soluções para as aflições do aparelho psíquico.
A herança teórica de Freud é o que abre caminho para a ptica psicanalítica com crianças, que hoje encontra-se completamente estabelecida e aceita. Há no mundo, clínica e profissionais focados inteiramente em buscar ajudar crianças que se encontram em estágios diversos de sofrimento. Maud Mannoni (MANNONI, 1985) chega a afirmar que a psicanálise de crianças é a psicanálise, sua afirmação aponta para a importância do trabalho realizado com crianças para até mesmo compreendermos a estruturação subjetiva e as psicopatologias, sua origem e seus desdobramentos. Assim, na sua visão a psicanálise com crianças torna-se na essência a melhor forma de se fazer psicanálise. Não há, portanto, qualquer prematuridade em demandarmos seções terapêuticas em crianças que precisam de ajuda.
Nãodúvidas de que a cnica com crianças exige mais do profissional. Em termos pticos diria mais flexibilidade, habilidade, paciência, maior conhecimento do desenvolvimento e do mundo simlico das crianças, cujo universo fantasioso está tragado por esse elemento simbólico.
Françoise Dolto (DOLTO, 1985) afirmava que para um psicanalista de crianças se faz necessário uma grande familiariedade com o inconsciente, com isso compreendo uma análise pessoal profícua e profunda, onde o profissional deverá estar atento às múltiplas linguagens através das quais as crianças irão se manifestar. Ler essas linguagens e entender o mundo simbólico da infância é essencial.
Dolto em seus seminários costumava fazer esse alerta: aqueles que postulam tornarem-se psicanalistas de crianças muitas vezes acreditam que é mais fácil do que atender adultos. Na realidade, é muito mais difícil. O trabalho com crianças guarda especificidades que torna complexa a questão da análise.
A especificidade da psicanálise com crianças consiste essencialmente na presençasica dos pais na vida do analisando. É com o olhar do adulto que a criança se depara ao sair de nossos consultórios.
Numa análise de um adulto sem grandes comprometimentos – sabemos que existe uma distância destes com seus pais, que podem até mesmo ocupar um lugar de destaque em suas fantasias, mas o recalcamento já agiu e o sujeito reconstrói suas lembranças da infância com sua parcela de idealização, tristezas, alegrias ou ódio. E nessa reconstrução o sujeito vai buscar sua história e acertar suas contas. Na cnica com crianças, os pais estão presentes e suas transferências também. Daí a necessidade da inserção dos pais no processo analítico. Sabemos que a criança é espelho dos pais e certamente a transferência é tão forte que a vinculação dos pais no processo de análise, garante mais qualidade assertiva ao processo.
Segundo  Volnovich:
o sintoma é suporte e mensagem na criança da conflitiva individual, familiar e sócio-política-institucional, e constitui a essência de uma possível psicopatologia infantil.” Continua ele a cura psicanalítica consiste em articular o sintoma com o desejo reprimido, o que é denominado desvendar o sentido, articulação atras da qual é possível assumir a própria história. (VOLNOVICH, 1991, p.76)

Como coloca o autor, um sintoma é um conflito referido a um outro, e assim sendo, no tratamento psicanalítico seremos testemunhas do deslocamento do sintoma (na transferência) de um significante a um outro. Isto ajuda a compreender melhor um fato bastante visível na cnica com crianças, quanto ao pido desaparecimento dos sintomas iniciais, o que Volnovich chama de “curas defensivas” – o que não seria outra coisa senão a constatação da virada dentro do campo transferencial.
Quando os pais chegam para pedir ajuda, percebemos um sentimento de impotência, de culpa ou fracasso, geralmente essas frustrões aparecem em seus comentários ou ações. Um pai que se encontra culpado seja pela doença do filho, seja pela sua própria doença. De certa forma, muitas vezes a doença do filho apenas reside em seu inconsciente, não sendo ele o doente de fato. Apenas vítima de uma transferência. Precisamos então de delimitar o paciente, ou seja, aquele que de fato será o nosso objeto de análise.
Depois de delimitado o paciente, sendo mesmo a criança, devemos conversar com os pais sempre que existir uma demanda expcita ou impcita ou seja, aquela que aparece através de certos “atos” tais como: a falta de pagamento, o esquecimento do horário, deixar a criança esperando na saída, ligar para o analista para contar fatos da rotina, etc. Esta entrevista feita no decurso do tratamento deve ter a presença, ou pelo menos o consentimento da criança. Conforme a idade e a situação, há crianças que preferem não estarem presentes, nestes casos considero necessário um relato desta entrevista para o paciente. Mas, as entrevistas familiares no decurso do tratamento são feitas em geral pela demanda e com a criança.
Numa análise o psicanalista está ali para servir à transferência das  pules  do passado, ou seja, para fazer ressurgir aquilo que permaneceu enterrado e que ainda causa problemas atualmente, e para advir aquilo que nunca teve lugar no curso do desenvolvimento, por não ter sido falado, colocado em palavras. Portanto, seu trabalho concerne ao imaginário, aos fantasmas, e não à realidade.
 Quanto às peculiaridades da transfencia na psicanálise de crianças, percebo que esta constitui um campo múltiplo onde estão envolvidas não as crianças, mas também os pais ou responsáveis da criaa. A transferência pode ser escutada nas queixas, nos lamentos e reivindicações destes, assim como quando estes somem e fica a impressão de que a criança está no tratamento.
A transferência é múltipla, mas nunca tem um caráter de unidade; é comum divies, enquanto um pai pode se encontrar em transferência positiva o outro pode estar em transferência negativa. Lidar com essa falta de unidade é um trabalho que exige muito do analista, mas acredito na impossibilidade de realizar um tratamento de criança desconhecendo a palavra dos pais ou de um de seus representantes, incluídos no nível transferencial em jogo.
Neste sentido se faz necessário na psicanálise de crianças a interpretação na transferência – e muitas vezes  da  transferência  na  medida  em  que,  estando  constituída  por  um  elemento imaginário,  constitui  um  empecilho  ao  avanço  do  discurso,  e  é  através  da  interpretão precisamente que se torna possível aproveitar o elemento simlico presente em toda transferência.
Isto constitui o trabalho do analista.
Entendo a enorme pressão por parte dos familiares (pais) no sentido da brevidade da terapia, de forma a ser  eficaz e de preferência que se mantenham  apenas observadores e não atores; e se possível, com uso de medicamentos para acelerar o processo.
Pressa, resultados pidos, diagnósticos e prognósticos definidos... isto tudo me faz pensar nas diferenças entre uma psicanálise e outras psicoterapias.
A maioria das psicoterapias se apoia numa concepção da pessoa baseada em conceitos da psicologia. A ênfase é colocada nas funções do ego e o trabalho é realizado essencialmente sobre os comportamentos.   Neste tratamentos    sintom é   colocado   e primeir luga  seu desaparecimento é o principal objetivo; a transferência neste caso acaba funcionando como uma possante alavanca para o desaparecimento do sintoma.
O trabalho terapêutico do psicanalista passa por essa esfera. Mas, o que mesmo fará um Psicanalista no tratamento de neuroses na fase da infância?
 Com o tempo e a experiência, sua ptica produz efeitos no grupo, atras de intervenções, publicações, supervisões, ou seja,  os  femenos de transferência ligados a  relação analisando analista deslocam-se progressivamente para o grupo de trabalho: da transferência para o analista passa-se para a transferência para a análise, o efeito de seus avanços teóricos práticos surgem no coletivo, participando, assim, da transmissão em psicanálise.
Em síntese, a qualidade do psicanalista depende de vários fatores: do ponto em que se o sujeito se encontra no seu trabalho pessoal (psicanálise ou psicoterapia), de seu percurso teórico, e enfim, da qualidade de sua inserção no grupo que frequenta. São esses ts pontos que diferenciam um profissional qualificado de um adulto de boa-vontade”.


Referências.
DOLTO, F. Seminário de psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985.
                . Seminário de psicanálise de crianças 2. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1990. MANNONI,  M.  A  criança,  sua  doença”  e  os  outros.  3ª.ed,  Rio  de  Janeiro:  Zahar
Editores. 1985.
VOLNOVICH, J. Lições introdutórias à psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Relume- Dumará, 1991.